terça-feira, 15 de novembro de 2011

"Vapor fino"

Macalé revê amigos em projeto que vai virar DVD

Renato Vieira

Jards Macalé se apresentou
este ano em Belo Horizonte
Não há na música brasileira figura como a de Jards Macalé. Desde seu desafio à ditadura  ao anunciar metaforicamente que havia um “morcego na porta principal”, ao defender Gotham City no quarto Festival Internacional da Canção , passando pelas críticas à Chico Buarque em violento artigo para a Folha de São Paulo no final de 1980   quando este trocou a Polygram pela Ariola e embolsou luvas astronômicas para a transferência. Nessa mesma época, Jards chamou os diretores da indústria fonográfica de “atravessadores”. Ele não poupou nem mesmo Caetano e Gil, seus companheiros de Tropicália, acusando-os de terem “se vendido ao sistema”. Sempre atrelado à característica de maldito, Macalé não conseguiu o sucesso nacional como outros que também eram considerados “difíceis” pela indústria, como Sérgio Sampaio – que chegou a vender 300 mil exemplares do compacto “Eu quero é Botar Meu Bloco na Rua” — e Walter Franco  restrito a um só público. Canções de sua lavra, afinal, como "Vapor Barato", "Mal Secreto", "Anjo Exterminado" e "Movimento dos Barcos" podem ser consideradas clássicos da música brasileira. 

Depois do documentário “Jards Macalé: um morcego na porta principal”, ele lança, agora, “Jards”, 13º disco de sua carreira. O álbum é um desdobramento de um DVD, ainda a ser lançado, feito pelo cineasta Eryk Rocha, filho de Glauber Rocha.

Álbum.
O disco abre com "Juízo Final", de Nelson Cavaquinho, com participação de Elton Medeiros, em uma gravação sem impacto. O mesmo acontece com "Unicórnio", do compositor cubano Silvio Rodriguez. "Black and Blue", clássico de Louis Armstrong, tem um tom bem definido de homenagem ao cantor americano, já que Macalé o imita com perfeição. O fino do disco, entretanto, são as regravações do próprio Jards. Simples, porém seguras. 
Thaís Gulin, que regravou "Revendo Amigos", também presente neste novo rebento, participa de "Hotel das Estrelas". A faixa surpreende por conseguir rivalizar com a interpretação de Gal Costa, lançada no disco "Legal", de 1970. Frejat participa de "Mal Secreto" e Luiz Melodia canta com o anfitrião “Negra Melodia”, feita em homenagem a ele. Ava Rocha é uma grata surpresa em “Berceuse Criolle”. 

Jards vem de dois discos só de regravações: “Real Grandeza”, só com parcerias com Waly Salomao, morto em 2003, e “Macao”, de 2008. Mas a força do disco, arranjado por Cristóvão Bastos, é no contraste entre arranjos pesados, caso de “Só Morto (Burning Night)” e de momentos em que há pouca instrumentação, como “Soluços”, em que ele só há o acompanhamento do artista ao violão. Ambas as faixas fizeram parte do primeiro compacto de Macalé, de 1970, e só agora são regravadas por ele. Apesar de não ser o melhor interprete de suas canções, o compositor carioca rebobina "Dona de Castelo" e "Movimento dos Barcos" (esta com um excepcional arranjo de cordas) em uma boa interpretação, realçada pelo piano valoroso de Bastos.

 
Pra fechar, uma surpresa: "Mulheres", obscura parceria de Macalé com Zé Ramalho, gravada uma única vez pelo parceiro paraibano em 1984. Tal fecho dá a entender que ainda há muito a ser descoberto no baú de Macalé. E por isso é bastante válido que ele continue a pescar suas pérolas.

Jards/ 2011 (Biscoito Fino)
1. Juízo Final, com Elton Medeiros
2. Revendo Amigos (Volto pra Curtir)
3. Dona de Castelo
4. Hotel das Estrelas, com Thaís Gulin 5. Black and Blue 
6. Negra Melodia, com Luiz Melodia 
7. Soluços
8. Só Morto
9. Movimento dos Barcos
10. Mal Secreto, com Frejat
11. Unicornio
12. Berceuse Crioulle, com Ava Rocha
13. Mulheres

Macalé, que ficou 10 anos sem gravar, teve a canção
"Vapor Barato" regravada em 1996 pelo O Rappa, sendo
 
catapultado de volta ao mercado fonográfico.

2 comentários:

  1. Quase havia me esquecido o tanto que o texto do Renato é bom! Massa demais o post e excelente aquisição de colaborador para o Alternativa.


    Abs

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  2. Ótimo texto sobre um artista muito querido. Muito bom saber que o grande Jards continua e continuará em plena atividade por muitos e muitos anos. Macalé também tem uma composição chamada "Hotel das estrelas", gravada por Gal Costa nos anos 1970, que é uma das minhas prediletas.

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