terça-feira, 6 de março de 2012

Seu beijo — parte 2

“A Casa é Sua” (2009), Arnaldo Antunes

Por FELIPE PEDROSA
Dez anos se passaram e, segundo o meu calendário, o mundo se rarefez naquele dia. Um sábado quente do mês de março. As aulas haviam começado e nós, ainda muito jovens, corríamos atrás de uma profissão, de um diploma, de um conhecimento vago que fosse. Você formou? Em qual universidade? Qual a sua graduação? Faço-me de tolo só para ter as suas respostas. Elas já não são novidades para mim.

"João, por favor, traz mais uma". Essa é a quinta ou sexta cerveja que tomo em menos de uma hora. Enquanto isso, o cigarro queima no canto da minha boca. Costuro, em guardanapos sujos e vagabundos, cada momento do nosso conúbio. Por um instante, reflito nos dias que não passamos juntos. Bar do João   não havia uma birosca com um nome mais poético para minhas linhas melosas e pregressas?!

Ainda guardo as fotografias que tiramos juntos. Aquela Polaroid era uma deusa. Mas conto sobre ela em uma outra hora. O seu beijo veio à baila. A suavidade, temperatura e sabor são únicos. A melodia dele, porém, não deve ser mais a mesma do meu. Foram outros tempos. Não sou mais a mesma pessoa nem você é. Os seus lábios, agora, são entregues ao Luiz, Lucas, Felipe, Thiago... e, para mim, restou apenas uma espessa lembrança dos seus cachos, mechas lisas, pele morena, branca, rosada, olhos cor de mel, castanhos, negros como a noite. Ah, desculpe Vinicius de Moraes, mais o homem também precisa ter qualquer coisa de triste, qualquer coisa que chora, qualquer coisa que sente saudade. Eu, por exemplo, sinto a falta dela.

Cambaleando vou ao banheiro. A sensação do álcool na corrente sanguínea é fugaz e não apaga essa flâmula de sentimento. “Um cigarro picado, por favor”. Esse deveria ser meu último pedido, mas não é. “Mais uma, João”, grito.

As horas passam, e o dono da quitanda diz que precisa fechar. A porta de aço já está baixa, a sinuca em silêncio e as cadeiras de pernas erguidas para o céu. Aliás, hoje é dia de lua cheia. Queria te ver, te encontrar e, talvez, pela última vez dizer: eu te amo!

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